Eu estava almoçando em um restaurante da Zona Sul do Rio de Janeiro, na última sexta-feira, quando me vi prestando atenção na conversa de uma casal que estava na mesa ao lado. Ambos falavam de traição, mais especificamente política. Acho que comentavam algum caso que tinham lido no jornal.
A falta de companhia no almoço colaborou para que a minha mente viajasse e refletisse sobre as histórias de delação mais famosas que costumamos ouvir; e efetivamente até cheguei a ler algumas coisas sobre isso na internet.
Já pararam para pensar, por 1 minuto, pelo menos, sobre o poder devastador de uma delação?
Não tem como começar a escrever sobre isso sem falar de Judas: nunca houve um traidor como ele. Singularmente mesquinho, seu comportamento é explicado pelos apótolos Lucas e João como "possessão diabólica". Seja como for, ele não teve direito à misericórdia.
A idéia da traição de Judas ficou tão entranhada na mente das pessoas que essa palavra hoje em dia é usada como um grave insulto moral. A arte e a literatura se apoderaram de seu nome para sujá-lo ainda mais.
Existem muitos teólogos e estudiosos que pesquisam a história de Judas, e muito coisa já foi publicada no passado sobre isso.
O teólogo protestante Karl Barth acredita que Judas foi o único apóstolo que agiu conforme a vontade de Deus, entregando Jesus. Orígenes, um teólogo que viveu entre os séculos II e III, via Judas como um colaborador da obra de redenção e, por essa razão, achava que havia se salvado. Santo Agostinho o queria queimando no fogo do inferno, mas não pela traição, e sim pelo suicídio.
Toda essa idéia de que Judas era um seguidor da vontade de Deus é execrada pela Igreja, e tudo isso faz parte de um tipo de literatura não autorizada.
Já que estamos falando em Igreja, não podemos nos esquecer dos famosos tempos da Inquisição, que perduraram até a metade do século XIII.
Em cada cidade, a população era convidada a se confessar livremente. Para conseguir a absolvição, os delatores tinham que confessar suas heresias e delatar as dos outros. Já reconciliados com a Igreja, eles se tornavam delatores em potencial, contribuindo para o massacre protagonizado pela Igreja Católica.
A partir de 1252, a confissão passou a ser precedida de tortura, e os corpos em decomposição seguiam para as fogueiras. Todo mundo era culpado, sobretudo os ricos, que poderiam ter seus bens convenientemente confiscados pela Igreja.
Não podemos nos esquecer também das delações que fizeram parte da Revolução Francesa, um dos mais importantes capítulos da história mundial.
Os assassinatos da Revolução Francesa pareciam legitimar a violência como príncipio do governo revolucionário. E a delação, como seu mais caro acessório.
A consequência do terror na vida cotidiana de Paris era que tudo tinha que acontecer "às claras". A discrição e o segredo passaram a ser sinais graves de conspiração e más intenções.
Robespierre suspeitava de todas as pessoas que vestiam a máscara de virtude, como se só houvessem traidores no mundo. O discurso terrorista resultou em milhares de aprisionamentos e aproximadamente 40 mil execuções.
As pessoas começaram a denunciar os outros da mesma forma que bebiam água, provando seu civismo e alimentando vinganças pessoais. Esse comportamento levou os franceses a tal ponto que ninguém mais se sentia seguro.
Por fim, Robespierre foi deposto e a Comuna de Paris e o partido jacobino deixaram de existir, a burguesia girondina voltou ao poder e a sociedade parisiense pode, finalmente, se reencontrar com a liberdade.
Já que falamos dos franceses, vamos falar um pouco de Brasil também.
Alguém aqui é capaz de esquecer Joaquim Silvério dos Reis? Não.
Para o traidor da Inconfidência Mineira, a deslealdade era um moeda de um lado só, esse foi seu maior erro. Após a delação de Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, sua vida mergulhou em desventuras, sofrimento e solidão.
Joaquim Silvério dos Reis era um homem sem prestígio, quando resolveu entrar no movimento da Inconfidência Mineira para se inserir no meio político dos grandes figurões. Pelo mesmo motivo ele traiu seus companheiros. Tendo acesso a informações privilegiadas, aproveitou-se disso para entregar o líder dos inconfidentes, Tiradentes, que foi enforcado em praça pública.
Considerado como delator por toda a sociedade e, inclusive, por aqueles a quem queria agradar, Joaquim Silvério dos Reis foi preso, perseguido, humilhado e ainda teve seus bens confiscado.
A justiça dessa vez nem se quer tardou, Tiradentes e sua turma foram vingados, e ainda ganharam um feriado.
E quem diria que a famosa delação também teve seu destaque em Hollywood, bem no meio do cinema americano.
A euforia pós Segunda Guerra Mundial contaminou o cinema americano. Com o início da Guerra Fria, tinha início uma época de repressão a todos que tiveram um passado de militância na esquerda.
Um clima de extrema ansiedade tomou conta de Hollywood, que passava a ser conhecida como um foco do comunismo. Isso se deve ao fato de muitos cineastas e artistas terem se declarado simpatizantes do movimento comunista nos anos 30. O FBI acreditava que Hollywood tinha 300 filiados ao PC e 2 mil simpatizantes.
Gary Gopper, Robert Taylor e Walt Disney tiveram que responder a pergunta: "Você é ou já foi membro do partido comunista?".
Sob pressão, alguns caíram na armadilha da delação. Entre eles, o caso mais famoso foi o de Elia Kazan, que denunciou muitos de seus antigos colegas.
Essa política do terror levou vários cineastas ao exílio. Chaplin, por exemplo, emigrou para Suíça.
Só a partir da década de 60 as coisas foram voltando a normal e Holywood pode voltar a respirar com tranquilidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário